A empresa pode consultar SPC, Serasa e antecedentes criminais de candidato a emprego?
Esse é um tema bastante polêmico e que ainda causam dúvidas. Afinal, o empregador que consulta os órgãos de proteção ao crédito (SPC e Serasa) e antecedentes criminais dos candidatos a emprego, estaria cometendo conduta discriminatória ou apenas exercendo o seu direito?
A CLT estabelece que cabe ao empregador assumir os riscos da atividade econômica, desse modo, a empresa tem o direito de contratar os candidatos que melhor lhe convém, de acordo com as atribuições e competências exigidas para o cargo em que deseja contratar.
No entanto, muito se discute sobre o limite do direito da empresa nestes casos, posto que a Lei n° 9.029/95 estabelece a proibição de qualquer ato discriminatório, para efeitos de admissão ou permanência na relação de emprego. Seu artigo 1º prevê:
Art. 1o É proibida a adoção de qualquer prática discriminatória e limitativa para efeito de acesso à relação de trabalho, ou de sua manutenção, por motivo de sexo, origem, raça, cor, estado civil, situação familiar, deficiência, reabilitação profissional, idade, entre outros, ressalvadas, nesse caso, as hipóteses de proteção à criança e ao adolescente previstas no inciso XXXIII do art. 7o da Constituição Federal. (Redação dada pela Lei nº 13.146, de 2015) (Vigência)
Decisões mais recentes dos Tribunais estabelecem que a consulta em órgãos, como SPC e Serasa são consideradas como discriminatória, a exemplo:
RECURSO DE REVISTA REGIDO PELO CPC/1973 E INTERPOSTO NA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.015/2014. PROCESSO SELETIVO. PESQUISA PRÉVIA DE INFORMAÇÕES CREDITÍCIAS DOS CANDIDATOS AO EMPREGO. SPC. SERASA. DANO MORAL COLETIVO. A Corte regional, referindo-se à “realização de consulta prévia aos cadastros do SPC e SERASA” , entendeu que, “não obstante tal fato seja considerado para a contratação dos candidatos, não se colocava como fator de eliminação sumária”. Entretanto, reconheceu que “a empresa contratante não se obriga a ser surpreendida por eventuais ilícitos praticados por seus candidatos”. Concluiu o Tribunal a quo que “não há justificativa razoável para condenar a reclamada pela consulta aos cadastros de órgãos oficiais criados justamente para este fim”, conduta que “não caracteriza pratica discriminatória, mas mero direito do empregador na busca de antecedentes de seus pretensos colaboradores”. Verifica-se, portanto, a existência de conduta discriminatória por parte da reclamada, pois a situação creditícia do candidato não possui nenhuma relação com as suas qualidades ou habilidade laborais. Importante registrar que é justamente no momento da procura de colocação no mercado de trabalho que o candidato, por muitas vezes, encontra-se em situação econômica fragilizada, sem meios de subsistência e de cumprir algumas obrigações financeiras anteriormente assumidas. Por outro lado, a Corte regional, ao apontar que “se não há reprimenda à própria existência dos serviços de proteção ao crédito, descabida a assertiva da não legalidade de seu uso”, baseou-se em uma premissa equivocada. Os citados serviços tem por finalidade a proteção dos comerciantes, instituições financeiras e creditícias, entre outros, para o fornecimento de crédito para pessoas com histórico de não honrar com suas obrigações, independentemente do motivo que as levou a tanto, não se destinando à consulta prévia de candidato ao emprego – conduta claramente discriminatória e reprovável. Para a configuração do dano moral coletivo, basta, como no caso dos autos, a violação intolerável de direitos coletivos e difusos, ação ou omissão reprováveis pelo sistema de justiça social do ordenamento jurídico, conduta antijurídica capaz de lesar a esfera de interesses da coletividade, cuja essência é tipicamente extrapatrimonial. O caráter coletivo decorre da repercussão no meio social, pela adoção reiterada de um padrão de conduta por parte do infrator, com inegável extensão lesiva à coletividade, de forma a violar o sistema jurídico de garantias fundamentais. É por isso que o dano moral coletivo, em face de suas características próprias de dano genérico, enseja muito mais uma condenação preventiva e inibitória do que propriamente uma tutela ressarcitória. Cabe trazer a lume a lição de Xisto Tiago de Medeiros Neto sobre a preponderância da função sancionatória da indenização por dano moral coletivo, alertando que esta se afasta da função típica que prevalece no âmbito dos direitos individuais, onde se confere maior relevância à finalidade compensatória da indenização em favor das vítimas identificadas, e, apenas em segundo plano, visualiza-se a função suasória. Ainda, diante da incontrovérsia dos fatos relativos à conduta ilícita da reclamada, o dano moral daí decorrente é considerado in re ipsa , já que decorre da própria natureza das coisas, prescindindo, assim, de prova da sua ocorrência concreta, em virtude de ele consistir em ofensa a valores humanos, bastando a demonstração do ato ilícito ou antijurídico em função do qual a parte afirma ter ocorrido a ofensa ao patrimônio moral. Aplica-se à hipótese sub judice a tese firmada no IRR-243000-58.2013.5.13.0023, item III, in verbis : “A exigência de Certidão de Antecedentes Criminais, quando ausente alguma das justificativas de que trata o item II, supra, caracteriza dano moral in re ipsa, passível de indenização, independentemente de o candidato ao emprego ter ou não sido admitido”. Desse modo, a consulta prévia dos candidatos aos cadastros do SPC e SERASA acarretou dano moral coletivo in re ipsa , o que é suficiente para a responsabilização da ré, sendo desnecessária para sua condenação, prova de prejuízo sofrido pela coletividade de trabalhadores (inocorrência da contratação de candidatos submetidos à consulta). A prática dos citados atos antijurídicos e discriminatórios configurou ofensa ao patrimônio moral coletivo, sendo, portanto, passível de reparação por meio da indenização respectiva . Recurso de revista conhecido e provido .(TST – RR: 11707520105020066, Relator: Jose Roberto Freire Pimenta, Data de Julgamento: 04/11/2020, 2ª Turma, Data de Publicação: 13/11/2020)
Já em casos de consultas de antecedentes criminais o TST em Jurisprudência decidiu que a exigência da certidão de antecedentes criminais será legitima quando for justificada pela natureza da atividade a ser exercida pelo empregado. Ademais, o empregado deve sempre demonstrar que a conduta foi despropositada, bem como, discriminatória e com abuso de poder, como exposto na decisão abaixo:
“RECURSO DE REVISTA. ADMISSIBILIDADE. DANO MORAL. CERTIDÃO DE ANTECEDENTES CRIMINAIS. Não configura dano moral a simples exigência, pelo empregador, de exibição de certidão de antecedentes criminais na fase pré-contratual. Para tanto, deve ser demonstrado que a conduta foi desarrazoada, discriminatória em relação ao obreiro e com abuso dos poderes do empregador. Precedentes. Recurso de revista não conhecido ” (RR-238400-88.2013.5.13.0024, 5ª Turma, Relator Ministro Emmanoel Pereira, DEJT 19/12/2014).
Portanto, aconselha-se ao empregador que tenha prudência para a realização dessas consultas, priorizando sempre a boa-fé, habilidades e qualidades na hora da contratação. E quando necessário a pesquisa dos antecedentes criminais, que faça com precaução.
Rafael Martins Cortez
Advogado especialista e assessor jurídico/empresarial
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