A empresa deve ser responsabilizada quando não consegue cumprir a cota legal de pessoas com deficiência?

É de conhecimento geral a obrigação de cumprimento de cotas para pessoas portadoras de deficiência, como prevê a Lei 8.213/91, em seu artigo 93:

Art. 93. A empresa com 100 (cem) ou mais empregados está obrigada a preencher de 2% (dois por cento) a 5% (cinco por cento) dos seus cargos com beneficiários reabilitados ou pessoas portadoras de deficiência, habilitadas, na seguinte proporção:

        I – até 200 empregados……………………………………………………………………………….2%;

        II – de 201 a 500…………………………………………………………………………………………3%;

        III – de 501 a 1.000……………………………………………………………………………………..4%;

        IV – de 1.001 em diante. ……………………………………………………………………………..5%.

No entanto, muitas empresas alegam dificuldades de preenchimento dessas cotas já que há um déficit muito grande de pessoas reabilitadas ou com deficiência que tem interesse ou que tenha qualificação para as vagas que são abertas.

Deste modo, é comum discutir se a empresa deve ser responsabilizada (por multa administrativa ou TAC – Termo de Ajustamento de Conduta) quando não consegue cumprir esse requisito.

Nas decisões dos Tribunais ainda não há um senso comum para se resolver essas questões, tendo divergências em suas decisões.

Em decisão recente, o TST (Tribunal Superior do Trabalho) estabeleceu que a empresa é responsável por contratar esses trabalhadores, e que ela deve se esforçar para o preenchimento dessas vagas, por constatar e acreditar que os serviços prestados por essas empresas englobam um amplo leque de áreas e funções, o que facilitaria o cumprimento da cota, a exemplo da decisão a seguir:

“AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA. PROCESSO SOB A ÉGIDE DAS LEIS 13.015/2014 E 13.467/2017 . AÇÃO ANULATÓRIA. AUTO DE INFRAÇÃO. NÃO PREENCHIMENTO DAS VAGAS DESTINADAS A PESSOAS COM DEFICIÊNCIA OU REABILITADAS PELA PREVIDÊNCIA SOCIAL. IMPOSIÇÃO DE MULTA ADMINISTRATIVA. NORMAS JURÍDICAS DE CARÁTER IMPERATIVO, CRIANDO UM SISTEMA DE COTAS INCLUSIVAS, INSTITUÍDAS PELA LEI n. 8.213, DE 1991 (art. 93), COM SUPORTE NA CONSTITUIÇÃO DE 1988 (arts. 1º, III; 3º, IV; 7º, XXXI), INCLUSIVE EM SEU CONCEITO AMPLO DE ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO (art. 1º, caput e incisos II, III e IV, c./c. art. 3º, caput , incisos I, II, III e IV), QUE FIXA COMO NECESSARIAMENTE DEMOCRÁTICAS E INCLUSIVAS NÃO APENAS A SOCIEDADE POLÍTICA MAS TAMBÉM A SOCIEDADE CIVIL E SUAS EMPRESAS INTEGRANTES. MICRO SISTEMA DE INCLUSÃO SOCIAL, ECONÔMICA E PROFISSIONAL HARMÔNICO, IGUALMENTE, AO DISPOSTO NA CONVENÇÃO 159 DA OIT, RATIFICADA, PELO BRASIL, EM 1991, ALÉM DA CONVENÇÃO INTERNACIONAL DA ONU SOBRE OS DIREITOS DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA, RATIFICADA, COM QUÓRUM DE EMENDA CONSTITUCIONAL, PELO BRASIL, EM 2008, A PAR DO ESTATUTO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA (LEI BRASILEIRA DE INCLUSÃO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA – Lei n. 13.146/2015). EVIDENCIADA A CONDUTA OMISSIVA DO EMPREGADOR, SEGUNDO O TRT, COM A PRÁTICA DE ATOS INSUFICIENTES PARA DEMONSTRAR A INVIABILIDADE DO CUMPRIMENTO DAS COTAS. NÃO PROVIMENTO DO RECURSO PROTOCOLADO. A Constituição Federal de 1988, em seus princípios e regras essenciais, estabelece enfática direção normativa antidiscriminatória. Ao fixar como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil a dignidade da pessoa humana (art. 1º, III), o Texto Máximo destaca, entre os objetivos da República, promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação (art. 3º, IV). A situação jurídica do obreiro com deficiência encontrou, também, expressa e significativa matiz constitucional no artigo 7º, XXXI, da CF, que estabelece a “proibição de qualquer discriminação no tocante a salário e critérios de admissão do trabalhador portador de deficiência”. Logo a seguir ao advento da então nova Constituição Federal, o Brasil ratificou a Convenção n. 159 da OIT (Decreto Legislativo n. 129/91), que estipulou, em seu art. 1º, item 2, que “todo país membro deverá considerar que a finalidade da reabilitação profissional é a de permitir que a pessoa deficiente obtenha e conserve um emprego e progrida no mesmo, e que se promova, assim, a integração ou a reintegração dessa pessoa na sociedade”. Ainda em 1991, o Brasil também aprovou a Lei n. 8213/91, que, nesse quadro normativo antidiscriminatório e inclusivo, deflagrado em 05.10.1988, possibilitou ao legislador infraconstitucional a criação de sistema de cotas para obreiros beneficiários reabilitados ou pessoas com deficiência ( caput do art. 93 da Lei nº 8.213/91), o qual prevalece para empresas que tenham 100 (cem) ou mais empregados. Esse micro sistema de inclusão social, econômica e profissional das pessoas com deficiência e dos trabalhadores em recuperação previdenciária foi sufrado, direta ou indiretamente, por diplomas normativos posteriores, tais como a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, aprovada pela ONU e ratificada pelo Brasil em 2008, a par da Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência, n. 13.146/2015, também conhecida como Estatuto da Pessoa com Deficiência. Em suma, a ordem jurídica do País repele o esvaziamento precarizante do trabalho prestado pelas pessoas com deficiência, determinando a sua contratação de acordo com o número total de empregados e percentuais determinados, bem como fixando espécie de garantia de emprego indireta, consistente no fato de que a dispensa desse trabalhador “… só poderá ocorrer após a contratação de substituto de condição semelhante” (§ 1º, in fine , do art. 93, Lei nº 8.213/91). A propósito, a Subseção I Especializada em Dissídios Individuais desta Corte Superior (ED-E-ED-RR-658200-89.2009.5.09.0670, SBDI-1/TST, Relator Ministro João Batista Brito Pereira, DEJT 19/12/2016) já se manifestou no sentido de ser da empregadora o ônus de cumprir as exigências do art. 93 da Lei nº 8.213/91, não devendo ser responsabilizada apenas se comprovado o seu insucesso em contratar pessoas com deficiência, em que pese tenha empenhado esforços fáticos na busca pelos candidatos a essas vagas. Julgados desta Corte Superior. Naturalmente que se insere neste ônus a demonstração de firmes e sistemáticos esforços, ao longo do tempo, para cumprir o micro sistema de cotas imperativo criado pela ordem jurídica, sendo inaceitável a demonstração de esforços frágeis, insuficientes e não sistemáticos no sentido do cumprimento do sistema legal, que, afinal, já existe no País hpa várias décadas, desde o ano de 1991. No presente caso , a Corte de origem, com alicerce na prova produzida nos autos, deixou claro que a empresa não observou o percentual mínimo estabelecido na legislação para preenchimento das vagas destinadas a pessoas com deficiência ou reabilitadas, bem como não comprovou ter empreendido esforços consistentes para o preenchimento das vagas por meio das alternativas cabíveis, com o fim de cumprir a obrigação legal. Observa-se, desse contexto, portanto, não ter havido ação direta da Empresa no sentido de se empenhar na contratação de pessoas com deficiência, conduta que torna válido o auto de infração lavrado em decorrência do comportamento omisso da Reclamada. Ademais, para divergir da conclusão adotada pela Corte de origem, seria necessário o revolvimento do conjunto fático-probatório dos autos, o que é defeso nesta sede recursal, nos termos da Súmula 126/TST. Agravo de instrumento desprovido” (AIRR-184-37.2019.5.10.0017, 3ª Turma, Relator Ministro Mauricio Godinho Delgado, DEJT 01/04/2022).

Já em outra decisão também recente, o Tribunal Regional do Trabalho de Goiás estabeleceu que quando a empresa comprova que tentou todos os esforços para a contratação e não encontrou candidato interessados nas vagas, ela não pode ser responsabilizada, pois não se pode culpar à empresa por conduta discriminatória e negligente quando a ausência de contratação decorreu de fato alheio à sua vontade.

 

NULIDADE DO AUTO DE INFRAÇÃO. DESCUMPRIMENTO DO DISPOSTO NO ARTIGO 93 DA LEI 8.213/91. IMPOSSIBILIDADE DE PREENCHIMENTO POR FALTA DE INTERESSADOS SUFICIENTES. O art. 93 da Lei nº 8.213/91 tem por escopo a inserção no mercado de trabalho de beneficiários de afastamento previdenciário reabilitados ou pessoas portadoras de deficiência por meio da reserva de um percentual dos cargos a serem preenchidos nas empresas. Entretanto, o acervo probatório dos autos evidencia que, não obstante os esforços engendrados pela autora para o preenchimento das vagas, não houve candidatos interessados suficientes para o preenchimento do mínimo legal exigido. A empresa, portanto, não pode ser responsabilizada pela ausência de interesse de profissionais habilitados para o exercício das funções ofertadas.         (TRT18, ROT – 0010647-58.2020.5.18.0121, Rel. EUGENIO JOSE CESARIO ROSA, 1ª TURMA, DEJT 10/02/2022)

 

E para as empresas que realmente estão com dificuldades no comprimento da cota, não basta se valer da simples alegação ao fiscal, devendo provar que tem programa regular de contratação de pessoas com deficiência, inclusive comprovando por e-mail’s, anúncios, recortes de jornais, etc. que está disponibilizando e oferecendo as vagas exigidas por lei.

Sem a comprovação efetiva desse interesse na contratação de forma regular e habitual, a empresa que não está cumprindo a cota fatalmente irá ser penalizada e a Justiça dificilmente anulará o auto de infração.

Rafael Martins Cortez
Advogado especialista e assessor jurídico/empresarial

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