Cabe indenização por falta de segurança quando o empregado transporta pequenos valores a serviço da empresa?

Muitas vezes o transporte de valores requer profissionais capacitados com treinamento específico, justamente porque para se realizar essa atividade o empregado pode ser alvo de assaltos, colocando em risco sua vida ou sua integridade física.

 

É comum empresas solicitarem aos seus empregados que transportem dinheiro em quantidade menos expressiva, sem exigir nenhuma capitação. Exemplos são os casos em que o empregador solicita ao empregado que receba valores de vendas, entregas e etc.

 

Desta forma, surge a dúvida se existe um valor mínimo para que haja a obrigação de capacitação no transporte de valores, ou se empregados como entregadores/motoristas, que transportam numerários de menor valor, precisam ser profissionais capacitados.

 

A Lei 7.102/1983, que dispõe sobre segurança para estabelecimentos financeiros e empresas de vigilância e de transporte de valores, muitas vezes é usada como parâmetro para decisões relacionadas ao transporte de valores de outras atividades comerciais.

 

A própria Lei citada estabelece que haverá exigência obrigatória de vigilantes para o transporte de numerários somente quando o valor for no montante superior a 7 (sete) mil Ufirs (atualmente R$ 7.448,70 reais), conforme redação do art. 5º desta.

 

“Art. 5º O transporte de numerário entre sete mil e vinte mil Ufirs poderá ser efetuado em veículo comum, com a presença de dois vigilantes.”

 

 

Seguindo a mesma linha de raciocínio, em decisão recente do Tribunal de Trabalho de Goiás (TRT-18ª Reg.), decidiu-se que as atividade comuns não colocam o empregado em uma situação objetiva de risco, ainda que eventualmente sejam alvos de assaltos:

 

“DANO MORAL. TRANSPORTE DE VALORES. MOTORISTA-ENTREGADOR. Os motoristas-entregadores não executam atividade que se enquadra em situação objetiva de risco, ainda que, eventualmente, sejam alvos de assaltos. Portanto, o simples fato de o empregado transportar as quantias recebidas, quando da entrega das mercadorias comercializadas pela empresa, não gera o direito ao recebimento de indenização por danos morais, havendo a necessidade de se comprovar o dano e a culpa do empregador. Não tendo o empregado se desincumbido do seu ônus probatório, impõe-se o indeferimento do pleito indenizatório” (TRT 18ª Reg., ROT-0010901-70.2020.5.18.0011, RELATOR DESEMBARGADOR WELINGTON LUIS PEIXOTO, Publicação: DEJT de 30/08/2021)

 

Estas decisões tem se repetido quando se observa alguns casos de entregadores de farmácia, restaurante, etc., que acabam transportando pequenas quantias.

 

Porém, esse é um tema que gera muitas divergências nos tribunais. E a título de exemplo, em decisões também recentes, do Tribunal Superior do Trabalho (TST), entendeu que existe a necessidade de capitação dos profissionais que transportam quantias em dinheiro, e que as empresas devem indenizar o empregado que transportar valores sem estar qualificado para cumprir a função, mesmo que sejam valores relativamente pequenos e mesmo que o empregado não tenha sofrido danos, como ameaça a vida e a sua integridade física.

 

“AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA. RECLAMANTE. LEI Nº 13.467/2017 TRANSCENDÊNCIAAJUDANTE DE MOTORISTA ENTREGADOR. TRANSPORTE IRREGULAR DE VALORES. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. RESCISÃO CONTRATUAL POSTERIOR À VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.467/20171 – Há transcendência política quando se constata em exame preliminar o desrespeito da instância recorrida à jurisprudência majoritária, predominante ou prevalecente no TST.2 – Aconselhável o processamento do recurso de revista, a fim de prevenir eventual violação do art. 5º, X, da Constituição Federal.3 – Agravo de instrumento a que se dá provimento. RECURSO DE REVISTA. RECLAMANTE. LEI Nº 13.467/2017 AJUDANTE DE MOTORISTA ENTREGADOR. TRANSPORTE IRREGULAR DE VALORES. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. RESCISÃO CONTRATUAL POSTERIOR À VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.467/20171 – No caso concreto, conforme se extrai do trecho do acórdão do TRT transcrito no recurso de revista, o reclamante atuou como ajudante de motorista na entrega de mercadorias, recolhendo diariamente R$ 4.000,00 (quatro mil reais), no mínimo. Todavia, não obstante reconhecer a existência “do risco majorado para a pessoa que transporta valores”, a Corte regional manteve a sentença que indeferiu o pedido de indenização por danos morais, considerando que “o trabalhador não foi vítima de assalto e nem sequer sofreu ameaça concreta a sua vida ou a sua integridade física e moral”.2 – A jurisprudência desta Corte Superior pacificou-se no sentido de que a atividade de transporte de valores só pode ser desempenhada por empregado de empresa especializada ou profissional devidamente treinado (art. 3º da Lei nº 7.102/83), de modo que a exposição potencial do empregado a riscos indevidos decorrentes de atividades para as quais não foi especificamente contratado gera o dever de indenizar, por parte do empregador, ainda que não tenha ocorrido dano efetivo. Julgados.3 – Recurso de revista a que se dá provimento” (RR-0000230-20.2020.5.12.0022, 6ª Turma, Relatora Ministra Katia Magalhaes Arruda, DEJT 30/11/2021).

 

 

Portanto, por ser um tema muito polêmico que ainda não possui legislação especifica oferecendo segurança jurídica as demais empresas (exceto bancos e empresas de vigilância e transporte de valores), é aconselhável que as estas evitem o transporte e movimentação de valores de importâncias significativas, ou que dê prioridade a contratação de profissionais qualificados para a realização dessa atividade, evitando futuros problemas.

 

 

Rafael Martins Cortez

Advogado especialista e assessor jurídico/empresarial

 

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